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Pessoas neurotípicas apresentam um funcionamento cerebral que se enquadra nas expectativas dominantes da sociedade, enquanto o termo “neurodivergente” abrange uma variedade de condições neurológicas fora desse padrão convencional, como o Transtorno do Espectro Autista, o TDAH e a dislexia. De acordo com estudos da Unifesp, aproximadamente 3 milhões de adultos brasileiros têm Transtorno do Espectro Autista (TEA), e muitos deles passam a vida “mascarando”.

 
 
 
Novo livro de Devon Price, lançado em 2024 pela nVersos
 

O autor Devon Price, doutor em Psicologia Social e professor da Loyola University of Chicago, nos EUA, explica que mascarar é qualquer tentativa ou estratégia para “esconder sua deficiência”. O livro de Devon Price, “Autismo sem Máscara: Uma jornada de autodescoberta e aceitação”, explora o mascaramento e como “desmascarar” para viver com mais liberdade.

 

Além de se esconder dos outros, Price diz que mascarar também é um mecanismo de enfrentamento. “Você sabe que se mostrar seu desconforto com o contato visual, as pessoas vão achá-lo pouco confiável e te tratar muito diferente”, diz ele.

 

O mascaramento se manifesta de duas maneiras: camuflagem e compensação.

 

A camuflagem inclui comportamentos como “fingir sorriso ou fingir contato visual, olhando no meio da testa de alguém”, diz Price.

 

É aí que entra a compensação. Price, que é uma pessoa autista, por exemplo, faz isso agendando reuniões fantasmas em seu calendário para ter tempo de recarregar. “E é exatamente isso que a maioria dos autistas mascarados acabam tendo que fazer, porque muitos de nós somos condicionados, ao longo de toda a vida, a pensar que há algo de errado conosco.”, diz ele.

 

Embora o mascaramento seja empregado por muitas pessoas autistas, pessoas em grupos marginalizados, incluindo mulheres, pessoas não-brancas e LGBTs, podem sentir-se ainda mais compelidas a camuflar sua deficiência.

 

“Até hoje, todas as avaliações que usamos para diagnosticar o autismo, mesmo em adultos, ainda são baseadas em como identificá-lo em meninos brancos cisgêneros, geralmente muito jovens”, explica Price. “Então, isso significa que, se você é, por exemplo, um menino autista negro jovem, é muito mais provável que seja diagnosticado com algo como Transtorno Opositor Desafiador. É mais provável que você seja visto como uma pessoa com problema de comportamento”.

 

“Se você é uma menina, uma pessoa negra ou se é transgênero, é mais provável que seja visto como um problema a ser contido.”, diz Price.

 

Price, que é uma pessoa transgênero, compara isso a como pessoas LGBTQIA+ são forçadas a viver em um mundo cisgênero e heterossexual: ninguém escolhe ficar no armário, mas nasce nele. Da mesma forma, ninguém escolhe usar uma máscara, mas nasce com ela.

 
 
 

O “desmascaramento” começa ao se desaprender a sentir vergonha

 
 
 

A vergonha é o que leva as pessoas autistas a sentirem-se imperfeitas, fracassadas e quebradas. Price diz que costumava entrar no banheiro e bater em seus braços e pernas com uma escova de cabelo durante colapsos sensoriais.

 

“E eu costumava achar aquilo algo tão nojento, assustador e vergonhoso em mim – achava que eu estava fora de controle”, diz ele. Outras pessoas autistas manifestam vergonha por meio de transtornos alimentares, automutilação ou abuso de substâncias.

 

Price sugere dois exercícios para parar de sentir vergonha:

 
 
 
  1. Passe um dia inteiro sem tentar descobrir o que outras pessoas estão pensando e sem se desculpar por cada ação. Pessoas autistas geralmente têm medo de dizer a coisa errada por causa de experiências passadas e se tornam hipervigilantes sobre como se expressam. “Dê a si mesmo permissão de ‘ofender’ alguém. Obviamente, você não quer sair por aí dizendo coisas ofensivas, mas aceite que você não está no controle da reação das outras pessoas em relação a você.”

  2. Organize a sua casa ou espaço de trabalho de uma forma que se adapte às suas próprias necessidades, e não para agradar pessoas neurotípicas. Para um designer com quem Price conversou, isso fez toda a diferença. “Para ele, desmascarar foi ‘Vou manter um monte de brinquedos sensoriais em toda a minha mesa, e vou ter um rolo de espuma embaixo dela para que eu possa mexer com os pés durante reuniões. Vou ter bagunça por toda a parte’”.

 
 
 

Permita-se experimentar paixões novamente

 
 
 

“Para a maioria das pessoas autistas, recebemos a mensagem desde muito jovens de que precisamos nos controlar – que é estranho ficarmos muito animados e entusiasmados com as coisas que nos importam, o que é muito triste”, diz Price.

 

Ao contrário, expressar alegria pode te colocar novamente com o seu eu verdadeiro.

 

Reacenda uma paixão antiga ou encontre um novo interesse e experimente a alegria em torno disso. Encontre uma comunidade para experienciar isso com você.

 

“Pode ser difícil abandonar todas as suas inibições, mas a alegria e o prazer em compartilhá-la com outras pessoas – isso simplesmente nos relaxa muito, forma conexões e faz sentir que a vida pode ser algo que aproveitamos todos os dias”, diz Price.

 
 
 

Conheça quem você realmente é e identifique seus valores

 
 
 

Como as pessoas autistas muitas vezes passam a vida inteira tentando se encaixar em um molde social específico, pode ser fácil perder o contato com quem você realmente é ou com o que realmente é importante pra você. Price sugere experimentar o processo de Integração Baseada em Valores, um exercício da coach autista Heather R. Morgan.

 

Price sugere dois passos para começar esse processo:

 
 
 
  1. Comece identificando cinco momentos em que se sentiu completamente presente, vivo e maravilhado pela vida.

  2. Pergunte-se “O que esses momentos revelam sobre o que eu realmente valorizo?” Isso pode ser algo simples, como valorizar o tempo que passa com quem você ama, sair pra curtir a natureza ou lutar por pessoas menos privilegiadas.

 
 
 

Para se aprofundar no processo, Morgan sugere trabalhar com um terapeuta.

 
 
 

Como ser um aliado e promover um mundo mais inclusivo

 
 
 

Relevar-se como autista exige que as pessoas neurotípicas sejam mais inclusivas e acolhedoras com seus pares neurodivergentes – sejam eles autistas ou pessoas com TDAH, Síndrome de Tourette, dislexia ou qualquer outra condição.

 

Aqui estão duas formas de ser um aliado:

 
 
 
  1. Comunique-se da forma mais clara possível e evite figuras de linguagem. Metáforas ou expressões indiretas podem ser difíceis de entender para pessoas com autismo.

  2. Aceite comportamentos autistas que possam se desviar da norma. “Se é seguro eu andar pela rua batendo palmas, também é um ambiente seguro para pessoas com esquizofrenia ou deficiências motoras”, diz Price. “Precisamos de um mundo seguro para todos, ampliando nossa definição do que é socialmente aceitável.”

 
 
 

Conheça mais sobre o livro de Devon Price, Autismo sem Máscara: Uma jornada de autodescoberta e aceitação”.

 
 
 

Texto traduzido do artigo da NPR “How “unmasking” leads to freedom for autistic and other neurodivergent people” escrita por Eric Garcia e Meghan Keane.

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